Como era a lobotomia, o procedimento médico mais macabro da medicina moderna

por Lucas Rabello
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Poucos procedimentos na história da medicina ganharam tanta infâmia e fascinação mórbida quanto a lobotomia. Esta controversa cirurgia cerebral, praticada principalmente de meados da década de 1930 até meados da década de 1960, permanece como um lembrete contundente dos perigos potenciais do exagero médico e da importância das considerações éticas no avanço científico.

Lobotomia: Simples, Porém Aterrorizante

A lobotomia, em sua forma mais infame conhecida como “lobotomia com picador de gelo”, era um procedimento chocantemente simples. Desenvolvida pelo Dr. Walter Freeman, podia ser concluída em menos de dez minutos. O processo começava com a administração de um anestésico local, deixando o paciente consciente durante todo o procedimento. Se a anestesia se mostrasse ineficaz, os médicos recorriam ao eletrochoque.

Usando um picador de aço afiado com cerca de 18 centímetros de comprimento, o médico posicionava sua ponta sob a pálpebra do paciente, contra o osso no topo da cavidade ocular. Com um golpe rápido de um martelo na extremidade do picador, o médico forçava a ponta através do osso, passando pela ponte nasal e adentrando o lobo frontal do cérebro.

Uma vez que o picador estivesse cerca de cinco centímetros dentro do cérebro, o médico o girava, cortando a matéria branca que conecta o córtex pré-frontal – responsável pela tomada de decisões, personalidade e aspectos essenciais da individualidade – do resto do cérebro.

A simplicidade deste procedimento era tanto seu ponto forte quanto sua ruína. Como observou um arquivista da Coleção Wellcome de história médica em Londres, “Não é ciência de foguetes, não é?” Outro médico descreveu o procedimento como “colocar uma agulha no cérebro e mexer as coisas”. Esta abordagem crua para tratar a região mais complexa do cérebro é tanto desconcertante quanto horripilante para os padrões modernos.

A Ascensão da Lobotomia

As origens da lobotomia podem ser rastreadas até o neurologista português António Egas Moniz, que desenvolveu a versão “moderna” do procedimento em 1935. O trabalho de Moniz baseou-se em experimentos similares conduzidos em humanos e animais em toda a Europa durante o meio século anterior. Ele codificou a abordagem, publicou seus resultados e viajou para o exterior para divulgar a técnica.

Walter Freeman, inspirado pelo trabalho de Moniz, tornou-se o mais vocal defensor do procedimento nos Estados Unidos. Operando principalmente na Universidade George Washington em Washington, D.C., Freeman realizou mais de 3.400 lobotomias durante sua carreira. Apesar de sua falta de treinamento cirúrgico formal e da alta taxa de mortalidade do procedimento de 14%, o entusiasmo de Freeman ajudaram a impulsionar a lobotomia para a prática médica convencional.

Lobotomia

A Lógica Por Trás da Loucura

A lobotomia era promovida como uma “cirurgia para a alma”, capaz de tratar uma ampla gama de problemas de saúde mental, desde depressão leve e ansiedade até distúrbios psiquiátricos graves como esquizofrenia. Em uma era anterior aos tratamentos psicofarmacológicos eficazes, o procedimento oferecia esperança a pacientes e famílias desesperadas por alívio de doenças mentais debilitantes.

A simplicidade do procedimento e seus supostos benefícios abrangentes contribuíram para sua rápida adoção. Freeman recebeu extensa cobertura da mídia, incluindo matérias em revistas populares como o Saturday Evening Post. Ele viajou pelo país, promovendo sua técnica com o fervor de um evangelista. O aparente sucesso do procedimento em alguns casos levou ao seu uso generalizado, com uma estimativa de 50.000 lobotomias realizadas nos Estados Unidos e pelo menos tantas na Europa.

O Lado Sombrio do Picador de Gelo

Enquanto os defensores alegavam taxas de sucesso de até dois terços dos casos, o lado sombrio da lobotomia logo se tornou aparente. Muitos pacientes, em vez de encontrar alívio, ficavam em uma “névoa mental” ou, como um sobrevivente descreveu, sentindo-se “como um zumbi”. Para alguns, esse estado era temporário; para outros, era permanente e debilitante.

O caso de Rosemary Kennedy, irmã do presidente John F. Kennedy, destaca-se como um dos exemplos mais notórios de uma lobotomia malsucedida. Submetida ao procedimento aos 23 anos devido a mudanças de humor e convulsões, Rosemary emergiu com deficiências graves. Ela perdeu o uso de um braço e uma perna, sua fala tornou-se largamente ininteligível, e ela ficou com “a capacidade mental de uma criança de dois anos”. Rosemary passou os 60 anos restantes de sua vida em várias instituições, uma sombra de quem ela era antes.

A Queda da Lobotomia

No final da década de 1960, a maré começou a virar contra a lobotomia. Avanços na psiquiatria e o desenvolvimento de medicamentos psicotrópicos eficazes reduziram a necessidade percebida de intervenções cirúrgicas tão drásticas. A conscientização pública sobre resultados catastróficos como o de Rosemary Kennedy também contribuiu para o crescente ceticismo sobre a segurança e eficácia do procedimento.

O golpe final na carreira de Freeman veio em 1967, quando um paciente morreu em sua mesa de operação. Ele teve sua licença médica cassada, e a era da lobotomia efetivamente chegou ao fim. No entanto, seu impacto na ética médica e na imaginação pública estava longe de terminar.

Hoje, a lobotomia serve como um conto de advertência na história médica. Ela nos lembra dos perigos potenciais de abraçar soluções simplistas para problemas complexos, especialmente ao lidar com as complexidades do cérebro humano. O legado do procedimento foi ainda mais cimentado na cultura popular através de livros e filmes como “Um Estranho no Ninho” e “A Redoma de Vidro”, que ajudaram a moldar a percepção pública deste controverso capítulo na história médica.

Lucas Rabello
Lucas Rabello

Fundador do portal Mistérios do Mundo (2011). Escritor de ciência, mas cobrindo uma ampla variedade de assuntos. Ganhou o prêmio influenciador digital na categoria curiosidades.